O Brasil registrou, em 2024, o maior percentual já observado de crianças entre 5 e 9 anos em situação de trabalho infantil. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados na última sexta-feira (19), 122 mil crianças nessa faixa etária estavam envolvidas em atividades laborais, o equivalente a 7,39% do grupo etário.
O levantamento mostra uma reversão de tendência: após queda de 24% em 2023, quando o número havia recuado para 100 mil, houve alta de 22% no ano passado. A Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, dedicada à primeira infância, classificou os dados como alarmantes.
Para a diretora-executiva da entidade, Mariana Luz, o cenário é “inaceitável”. Ela alerta que o trabalho precoce priva as crianças do direito de brincar, aprender e crescer com segurança, além de reforçar desigualdades sociais e raciais. “Cada criança retirada de sua infância representa uma falha coletiva. Precisamos de urgência na implementação de políticas públicas eficazes”, declarou.
Impactos sociais e desigualdades
A ONG destaca que a pobreza e a inserção de famílias em trabalhos informais ou domésticos estão entre os fatores que explicam a alta do trabalho infantil em idades tão baixas.
A educadora social e conselheira tutelar Patrícia Félix acrescenta que a situação se agrava em períodos de férias escolares, quando muitas famílias não têm onde deixar os filhos. Ela defende mais vagas em escolas de tempo integral como forma de reduzir a vulnerabilidade.
Cenário nacional e desafios
De forma mais ampla, a pesquisa do IBGE apontou que, entre 2016 e 2024, o número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil caiu 21,4%. Porém, na comparação entre 2023 e 2024, houve aumento de 2%.
Os dados mostram também disparidades raciais: enquanto crianças pretas e pardas representam 66% da faixa etária de 5 a 9 anos, elas são 67,8% das que trabalham, evidenciando maior impacto sobre esse grupo.
Mariana Luz lembrou que o Brasil ainda não atingiu a meta 8.7 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que prevê a erradicação do trabalho infantil até 2025.
Redução nas piores formas
Apesar do avanço negativo entre os mais jovens, o país registrou redução nas chamadas Piores Formas de Trabalho Infantil, listadas na “Lista TIP”. Em 2024, eram 560 mil crianças e adolescentes nessas condições, contra 919 mil em 2016 — queda de 39%.
As atividades incluídas na lista envolvem riscos de mutilações, intoxicações e outras situações graves, como trabalhos em serralherias, esgoto, indústrias extrativas e matadouros.
Papel do Bolsa Família
Outro dado relevante é que a incidência do trabalho infantil foi menor entre famílias atendidas pelo Bolsa Família. Em 2024, 5,2% das crianças e adolescentes desses lares estavam em situação de trabalho, contra 4,3% na média nacional. A diferença, que em 2016 era de 2,1 pontos percentuais, caiu para 0,9 ponto no ano passado.
Reação do governo
O Ministério do Trabalho e Emprego afirmou que ainda analisa os microdados, mas apontou que houve redução de 4,4% nas piores formas de trabalho infantil, embora tenha crescido a participação em atividades econômicas e de subsistência.
Já o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania reforçou que o Brasil mantém compromisso com a erradicação do trabalho infantil, lembrando da adesão à Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho. A pasta destacou programas de aprendizagem profissional, cotas para jovens aprendizes e campanhas de conscientização como a #InfânciaSemTrabalho.
Denúncias de casos podem ser feitas pelo Disque 100, canal gratuito de Direitos Humanos.