Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) desenvolveram uma embalagem antiestática sustentável feita a partir do bagaço da cana-de-açúcar e negro de fumo para proteção de dispositivos eletrônicos sensíveis. A inovação, batizada de criogel condutivo, pode revolucionar o mercado de embalagens para componentes eletrônicos, oferecendo uma alternativa ecológica às espumas plásticas derivadas de petróleo atualmente utilizadas.
Componentes eletrônicos como chips e semicondutores, presentes em praticamente todos os dispositivos do nosso cotidiano – de computadores e celulares a televisores e automóveis – necessitam de proteção especial contra descargas eletrostáticas durante o transporte e armazenamento. Até agora, essa proteção era majoritariamente feita com materiais plásticos convencionais, altamente poluentes.
O composto desenvolvido no Brasil é produzido a partir da celulose extraída de plantas e resíduos agroindustriais, como o bagaço de cana-de-açúcar, combinada com negro de fumo – um material obtido pela combustão incompleta de matéria vegetal ou produtos petrolíferos. O resultado é um material de origem predominantemente vegetal, que garante a segurança dos componentes eletrônicos sem comprometer o meio ambiente.

"Nosso objetivo é oferecer uma alternativa sustentável para a indústria de embalagens de produtos eletrônicos sensíveis, substituindo materiais plásticos por opções menos poluentes e de alto desempenho", explica Juliana Bernardes, coordenadora do estudo publicado na revista científica Advanced Sustainable Systems.
Características técnicas e vantagens
O criogel condutivo apresenta estrutura leve e porosa, com alta resistência mecânica e propriedades que dificultam a propagação de chamas. Uma das principais inovações do material é a possibilidade de ajustar sua capacidade de conduzir eletricidade conforme a necessidade:
- Em baixas concentrações de negro de fumo (1% a 5%), o material dissipa cargas eletrostáticas lentamente
- Em concentrações mais altas (acima de 10%), torna-se um condutor eficiente, podendo ser utilizado para proteger equipamentos eletrônicos altamente sensíveis
Apesar de ainda não ter seus custos de produção precificados, o criogel apresenta vantagens competitivas significativas, como maior resistência ao fogo e versatilidade. Além disso, utiliza matérias-primas abundantes no Brasil – a celulose pode ser obtida não apenas do bagaço de cana, mas também de outros resíduos agroindustriais como palha de milho e cavacos de eucaliptos.
O negro de fumo, outro componente essencial do material, já é amplamente utilizado na produção de pneus e na indústria em geral. Curiosamente, chineses e egípcios antigos já utilizavam esse pó preto para pinturas de murais e impressão.
Potencial de mercado e próximos passos
De acordo com relatório do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, o mercado global de embalagens para produtos sensíveis a descargas eletrostáticas deve atingir USD 5,1 bilhões até 2026, evidenciando o potencial econômico da inovação brasileira.
O produto, que não possui similares no mercado, já teve sua patente depositada. A pesquisa contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e foi assinada pelas pesquisadoras Gabriele Polezi, Elisa Ferreira, Juliana da Silva Bernardes e pelo pesquisador Diego Nascimento, todos do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do CNPEM.
O próximo passo é buscar parcerias com empresas interessadas em investir na produção em escala industrial. Para isso, o CNPEM conta com sua Assessoria de Inovação, que trabalha para viabilizar a transferência de tecnologia para o setor produtivo.
Sobre o CNPEM
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) constitui um ambiente científico de fronteira, multiusuário e multidisciplinar, com ações em diferentes frentes do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o CNPEM desenvolve pesquisas que impactam as áreas de saúde, energia, materiais renováveis e sustentabilidade.
Responsável pelo Sirius, maior equipamento científico já construído no Brasil, o CNPEM também desenvolve o Projeto Orion, complexo laboratorial destinado a pesquisas avançadas em patógenos. As atividades técnico-científicas do Centro são executadas pelos Laboratórios Nacionais de Luz Síncrotron (LNLS), Biociências (LNBio), Nanotecnologia (LNNano) e Biorrenováveis (LNBR), além da Ilum Escola de Ciência, curso de bacharelado em Ciência e Tecnologia, que conta com apoio do Ministério da Educação (MEC).