A neurocientista e biomédica Emanoele Freitas, moradora de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, notou que seu filho, Eros Micael, apresentava dificuldades na comunicação desde os dois anos de idade. Inicialmente, um diagnóstico equivocado apontou surdez profunda. Somente aos cinco anos, com exames mais detalhados, descobriu-se que a audição de Eros estava intacta, mas que ele possuía outra condição: autismo. "Naquela época, pouco se falava sobre o transtorno", relembra Emanoele.
Com um nível elevado de necessidade de suporte (TEA grau 3), a vida escolar de Eros foi desafiadora. Ele permaneceu no ensino fundamental até quase os 15 anos, enfrentando barreiras na aprendizagem. "Ele iniciou na rede particular, mas na pública encontrei maior acolhimento e profissionais comprometidos", relata a mãe. A dificuldade em acompanhar as aulas convencionais levou à necessidade de um mediador e a permanência em uma sala multidisciplinar, adaptada às suas necessidades cognitivas.
A inclusão e a alfabetização de crianças e adolescentes com autismo seguem como desafios fundamentais para a garantia de direitos dessa população. O Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado em 2 de abril, foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) para ampliar o conhecimento sobre o transtorno e combater preconceitos.
Autismo e Aprendizado: Desafios e Caminhos
Luciana Brites, psicopedagoga e diretora do Instituto NeuroSaber, explica que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por dificuldades na interação social, na comunicação verbal e não verbal, além de comportamentos repetitivos e interesses restritos. Entre os sinais mais comuns estão a falta de contato visual, dificuldade na socialização, atraso na aquisição da fala e manias repetitivas.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) categoriza o TEA em três níveis de suporte:
Segundo Brites, a detecção precoce do autismo é essencial para um acompanhamento adequado. "Algumas crianças falam, mas têm dificuldade de se comunicar. Outras são não verbais, mas podem ser alfabetizadas, ainda que enfrentem desafios adicionais", explica.
A alfabetização pode ser estimulada por estratégias adaptadas às necessidades individuais. Atividades focadas na consciência fonológica, como a repetição de sílabas e o reconhecimento de fonemas e rimas, podem ajudar nesse processo. Muitas crianças com autismo demonstram facilidade para memorizar palavras inteiras, mas têm dificuldades em interpretar contextos mais amplos.
A Importância da Rede de Apoio
Para garantir uma inclusão escolar efetiva, é fundamental o trabalho conjunto entre família, educadores e profissionais de saúde. "O professor sozinho não consegue promover a inclusão. A capacitação adequada e a parceria com especialistas da área da saúde fazem toda a diferença", pontua Brites.
A dona de casa Isabele Ferreira, moradora da Ilha do Governador, enfrenta essa realidade diariamente. Mãe de duas crianças autistas, Pérola, de 7 anos, e Ângelo, de 3, ela teve que deixar o emprego para se dedicar ao cuidado integral dos filhos. Pérola, diagnosticada com autismo leve (nível 1), também tem epilepsia. Já Ângelo apresenta autismo moderado (nível 2), com atrasos cognitivos e hiperatividade.
"Aos dois anos, percebi que minha filha não se comunicava bem e vivia no próprio mundo. Já meu filho, após um ano de idade, parou de comer, brincar e regrediu no desenvolvimento. Ambos necessitam de acompanhamento constante com fonoaudiólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais", relata Isabele.
Atualmente, Ângelo está matriculado em uma creche municipal com outras crianças autistas, e sua professora adapta as atividades de acordo com suas necessidades. Pérola frequenta uma escola regular, onde conta com o apoio de um mediador.
O caso de sua família também trouxe uma descoberta inesperada: seu pai, após investigações, recebeu o diagnóstico de autismo aos 50 anos. "Isso explica muitas dificuldades que ele enfrentou ao longo da vida", reflete Isabele.
Política de Inclusão Escolar
Desde 2008, o Ministério da Educação (MEC) implementa a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Essa diretriz reforça o compromisso com uma educação que respeita as diferenças individuais e promove a convivência em salas de aula comuns.
As estratégias incluem o Atendimento Educacional Especializado (AEE), salas de recursos multifuncionais e atividades colaborativas, garantindo que o acesso ao currículo seja assegurado para todos os alunos. Dados do Censo Escolar de 2022 revelam avanços significativos:
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1.372.000 estudantes da educação especial matriculados em turmas regulares;
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89,9% dessas matrículas em classes comuns;
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129 mil matrículas na educação infantil.
A inclusão escolar de autistas ainda enfrenta desafios, mas avanços significativos têm sido conquistados. O envolvimento de famílias, profissionais da educação e da saúde é essencial para garantir uma educação mais justa e acessível para todos.