Uma colaboração pioneira entre o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e a Universidade Federal do Pará (UFPA) está revelando o potencial farmacêutico de bactérias encontradas no solo amazônico. A pesquisa, que utiliza o maior microscópio da América do Sul, o acelerador Sirius, em Campinas, já apresentou seus primeiros resultados em uma publicação internacional em dezembro.
O estudo teve início com a coleta de amostras de solo no Parque Estadual do Utinga, uma reserva de conservação em Belém (PA). Os pesquisadores investigaram três espécies bacterianas das classes Actinomycetes e Bacilli, pertencentes aos gêneros Streptomyces, Rhodococcus e Brevibacillus. Sob a liderança do pesquisador Diego Assis das Graças, a equipe do laboratório EngBio da UFPA utilizou um avançado sequenciador PromethION para analisar o DNA das bactérias.
O sequenciamento revelou uma descoberta surpreendente: metade das moléculas encontradas era até então desconhecida pela ciência. Segundo Daniela Trivella, coordenadora de Descoberta de Fármacos do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), estas moléculas são fundamentais para o desenvolvimento de novos medicamentos. "Mais de dois terços de todos os fármacos já desenvolvidos no mundo têm origem em moléculas pequenas naturais", explica.
A pesquisa destaca a importância do ecossistema amazônico para novas descobertas farmacêuticas. Rafael Baraúna, pesquisador do EngBio-UFPA e coordenador do trabalho, ressalta que "mesmo em organismos já estudados, como as bactérias do gênero Streptomyces, vimos que ainda há muitas substâncias desconhecidas nos exemplares isolados do solo da Amazônia".
Os cientistas conseguiram dar um passo além ao desenvolver uma técnica que permite a produção dessas substâncias em laboratório. Usando metabologenômica, eles conseguiram "ensinar" bactérias comuns de laboratório a produzirem as substâncias descobertas em quantidades suficientes para testes e desenvolvimento.
O LNBio possui capacidade para realizar até 10 mil testes diários, uma velocidade crucial considerando a ameaça da devastação ambiental. Em 2024, a Amazônia registrou o maior número de queimadas e incêndios dos últimos 17 anos. Como resposta, investimentos de R$ 500 milhões foram anunciados na última reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para pesquisas no bioma nesta década.
O projeto faz parte de uma iniciativa maior para estabelecer um centro de pesquisa multiusuário na UFPA, com apoio do CNPEM e do projeto Iwasa'i, implementado através da chamada CNPq/MCTI/FNDCT Nº 19/2024. As próximas fases da pesquisa pretendem explorar a Amazônia oriental, buscando confirmar o potencial de novas moléculas e aprofundar o entendimento deste rico bioma.
A pesquisa representa um avanço significativo na busca por novos medicamentos, especialmente para o tratamento de infecções e tumores, demonstrando o valor científico e econômico da preservação da biodiversidade amazônica.