Uma equipe de pesquisadores de Maceió, Alagoas, descobriu a presença de microplásticos em placentas e cordões umbilicais de recém-nascidos, em um estudo pioneiro realizado na América Latina e o segundo no mundo a comprovar essa contaminação em cordões. Os resultados foram divulgados nesta sexta-feira (25) na revista Anais da Academia Brasileira de Ciências.
Segundo o líder do projeto, Alexandre Urban Borbely, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), a placenta funciona como um filtro que protege o bebê, bloqueando diversas substâncias nocivas. No entanto, o estudo revelou que, em 80% dos casos, a quantidade de microplásticos encontrada no cordão umbilical foi maior do que na placenta, indicando que essas partículas ultrapassam essa barreira natural e alcançam os fetos antes mesmo do nascimento.
Foram analisadas amostras de dez gestantes atendidas no Hospital Universitário Professor Alberto Antunes e no Hospital da Mulher Dra. Nise da Silveira, ambos em Maceió. Para a identificação dos microplásticos, foi utilizada a espectroscopia Micro-Raman, tecnologia capaz de analisar a composição química das partículas com alta precisão.
Ao todo, 110 partículas foram encontradas nas placentas e 119 nos cordões umbilicais. Os microplásticos mais comuns eram compostos por polietileno — amplamente utilizado em embalagens descartáveis — e poliamida, componente comum em tecidos sintéticos.
Borbely pesquisa o impacto da contaminação por microplásticos na gestação desde 2021. Um estudo anterior, realizado em parceria com cientistas da Universidade do Havaí, já havia detectado essas partículas em placentas de mulheres havaianas, evidenciando um aumento progressivo da contaminação ao longo dos anos, passando de 60% em 2006 para 100% em 2021.
A pesquisa em Alagoas também contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Diferentemente das amostras norte-americanas, as brasileiras apresentaram menor concentração de aditivos químicos associados aos polímeros plásticos.
O estudo focou em mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que vivem em condições socioeconômicas mais vulneráveis, buscando trazer dados que representem a realidade da população local. “Os plásticos são compostos por diferentes polímeros, que variam conforme a região”, destaca Borbely.
Embora a origem exata da contaminação seja difícil de definir, o pesquisador aponta a poluição marinha como um possível fator, já que a população alagoana consome grande quantidade de frutos do mar, como peixes e moluscos filtradores. Outro possível vetor é a água mineral envasada, que pode acumular partículas plásticas quando exposta à luz solar.
O próximo passo da equipe é ampliar o estudo, com coleta de amostras de 100 gestantes, para investigar possíveis relações entre a exposição a microplásticos e complicações na gestação ou na saúde dos bebês após o nascimento. Para isso, está sendo criado o Centro de Excelência em Pesquisa de Microplásticos, financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Os resultados desta fase são esperados para 2027.
“As evidências apontam para um cenário preocupante, no qual toda uma geração já nasce exposta aos microplásticos dentro do útero”, alerta Borbely. Estudos recentes associam a presença desses polímeros a problemas como prematuridade e alterações no metabolismo da placenta, que podem afetar o desenvolvimento fetal.
O pesquisador reforça que, para conter esse problema, ações governamentais são essenciais, uma vez que medidas individuais têm impacto limitado. “O Brasil ainda carece de regulamentação para a produção e descarte de plástico. A responsabilidade deve partir das políticas públicas, que precisam controlar a fabricação, o descarte e a implementação de filtros nas indústrias, reduzindo a presença desses poluentes no meio ambiente e, consequentemente, em nós”, conclui.