A cada três suplementos analisados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), dois apresentam algum tipo de irregularidade. O dado, atualizado até julho de 2025, revela que grande parte dos produtos disponíveis no mercado falha em requisitos básicos de segurança, como padronização de ingredientes, dosagens corretas, validade e comprovação de pureza.
Especialistas ouvidos pelo g1 alertam para o risco de danos hepáticos, cardiovasculares, renais e hormonais, especialmente entre pessoas que consomem suplementos sem prescrição ou apostam em produtos vendidos como “naturais” e “inofensivos”.
Mercado cresce sem que a fiscalização acompanhe
O consumo de suplementos disparou no país — quase 300% na última década, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (ABIAD). O avanço, porém, não foi acompanhado pelo mesmo rigor regulatório.
Entre 2020 e 2025, 63% das investigações da Anvisa na área de alimentos envolviam suplementos, superando inclusive categorias mais tradicionais.
Os problemas encontrados pela agência vão de falhas simples a riscos graves, como:
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produtos sem testes de estabilidade, essenciais para garantir que a fórmula permanece eficaz até o fim da validade;
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uso de substâncias proibidas;
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rotulagem enganosa com alegações terapêuticas;
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compostos farmacológicos não declarados.
Marcas como Insuzin e Prostnar foram interditadas após a detecção de ingredientes ilegais e não informados no rótulo.
“Ainda vemos um setor que não cumpre integralmente os padrões de segurança exigidos”, afirmou Patrícia Ferrari Andreotti, gerente de regularização de alimentos da Anvisa, em audiência na Câmara dos Deputados.
Problemas de saúde podem aparecer rapidamente
A endocrinologista Geórgia Castro explica que a percepção de que suplementos são produtos leves, naturais ou sem contraindicações é equivocada — e perigosa. Vitaminas lipossolúveis, por exemplo, podem provocar toxicidade quando consumidas em excesso, enquanto estimulantes presentes em algumas fórmulas provocam arritmias, ansiedade e aumento súbito da pressão.
Segundo ela, é comum que pacientes cheguem aos consultórios usando vários suplementos ao mesmo tempo, sem exames prévios ou orientação especializada. Muitos são comprados em academias ou sites estrangeiros que não seguem normas brasileiras.
O uso prolongado e inadequado pode causar:
Termogênicos e produtos manipulados sem controle apresentam risco ainda mais elevado.
A comunicadora *Priscila relatou ao g1 que viveu uma experiência traumática ao experimentar um suplemento que prometia emagrecimento rápido. A propaganda indicava perda de até 16 kg em um mês, enquanto o rótulo listava ingredientes comuns em produtos naturais.
No entanto, minutos após engolir a cápsula, ela sentiu taquicardia, sudorese fria e tontura intensa.
“Minha pupila dilatou na hora. Comecei a suar e meu coração disparou. Achei que fosse morrer”, conta.
Priscila ficou dois dias sem conseguir se alimentar devido à náusea. Ela interrompeu o uso imediatamente.
*Nome alterado a pedido da entrevistada.
Como evitar suplementos irregulares
A nutróloga Danielli Orletti orienta que os consumidores sigam alguns passos básicos antes de comprar qualquer suplemento:
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checar se o produto tem número de notificação da Anvisa, obrigatório em lançamentos desde 2024;
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desconfiar de promessas “milagrosas” como emagrecimento rápido ou cura de doenças;
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verificar o CNPJ e o fabricante;
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consultar o registro no portal da Anvisa;
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comprar apenas em estabelecimentos formais que emitam nota fiscal.
Essas práticas, segundo ela, ajudam a reduzir o risco de adquirir produtos falsificados ou manipulados fora dos padrões.
Anvisa diz que fiscalização continua ativa
A agência afirma que, mesmo com a prorrogação das regras até setembro de 2026, o trabalho de inspeção permanece. Segundo o órgão, o adiamento ocorreu porque os testes exigidos são complexos e muitos laboratórios ainda não estão preparados para realizá-los em larga escala.
Apesar disso, a Anvisa reforça que suplementos lançados a partir de 2024 já devem seguir todas as novas exigências de rotulagem, composição e estabilidade.
Setor reclama de concorrência desleal
De um lado, a ABIAD defende que suas empresas associadas cumprem as normas e pedem previsibilidade regulatória. Do outro, representantes da indústria farmacêutica afirmam que a prorrogação favorece empresas irregulares.
Para Adriana Diaféria, vice-presidente do Grupo FarmaBrasil, o cenário atual penaliza quem investe em qualidade.
“O consumidor fica exposto a produtos sem garantia, enquanto quem segue as regras enfrenta concorrência desleal”, critica.
Internet concentra maior risco de falsificação
A Anvisa e o Instituto IPS Consumo alertam que o risco é ainda maior no ambiente online. Marketplaces e redes sociais têm sido usados para vender suplementos falsificados, muitas vezes com embalagens quase idênticas às originais.
Esses produtos são difíceis de rastrear e costumam conter compostos não declarados.
“O consumidor acredita que está comprando algo seguro, mas recebe um produto sem procedência”, afirma Juliana Pereira, presidente do IPS Consumo. Para ela, a punição é quase inviável nesses casos.